CONFLITOS RACIAIS


Os caras são maltratados a vida inteira, sofrem preconceitos a vida inteira, mas seguem, embora, na maioria das vezes, procurem conviver com os seus pares. Até que um dia um ou mais deles são terrivelmente maltratados, chegam até a morte. Já aconteceu nos Estados Unidos muitas vezes, já aconteceu pelo resto do mundo também.



São pretos, são emigrantes, são moradores de rua, são religiosos que não processam a fé oficial, podem ser diferentes também na opção sexual. E podem eclodir protestos violentos, os governos não sabem como lidar com os problemas porque faltam compaixão e generosidade.



Vou contar a história da nossa família e a adoção de duas crianças negras, o que prova, a meu ver, que tudo podia ser evitado.. A gente tinha muito cuidado em relação a preconceito racial. Quando mudamos para novo apartamento, no Alto Leblon, logo no primeiro dia fiz uma carta para o síndico, solicitando que os porteiros fossem orientados de que as crianças eram nossos filhos. Não queria que eles fossem molestados quanto ao uso de elevadores, áreas sociais etc. Melhor prevenir. Moramos lá por 12 anos e não tivemos nenhum problema, nem com os vizinhos. Os meninos fizeram boas amizades por lá.



O Brasil é um país interessante. Preto enquanto criança, se estiver bem vestido, é bonitinho. Preto crescido é um perigo. E preto no clube, mesmo que seja limpinho, é difícil de engolir. Uma vez perguntei ao administrador de um clube de bacanas lá em São Paulo:

__ Vocês aceitam preto como sócio?

Ele não respondeu e eu insisti.

__ Se vier uma família de fora pra cá, com uma boa situação, e os filhos forem pretos, pode?

__ Melhor que eles fiquem no lugar deles.

Também quis entrar como sócio no Clube Federal, lá perto de casa, colocando as crianças como dependentes. Anexei os retratinhos na proposta. Foi indeferida. Está certo que os meninos ainda não eram meus filhos, oficialmente. Mas será que foi por isso que foi indeferida?



Resolvemos, eu e minha mulher, que deveríamos frequentar onde eles fossem aceitos. Não estávamos dispostos a brigar com o mundo, contratar advogado, nada disso. Botamos a família toda no Flamengo. Catarina, nossa empregada, mãe das crianças, inclusive. Tem preto à beça brincando naquelas piscinas, ninguém incomoda. E ela adorava aquelas horas de folga que passava com os filhos por lá.



Agora, quer dar um risinho amarelo? Crie um filho preto e depois vá se encontrar com os seus amigos brancos, num clube Classe A. Eles sabem contar umas piadas sobre crioulos que são uma graça!



E veio um dia em que o excesso de gordura da Catarina atrapalhou, ela teve um derrame, seguido de um ataque cardíaco, estava de férias com os meninos em São João Del Rei, o hospital tinha poucos recursos e ela faleceu.

Os meninos tinham dez para onze anos. A família concordou e nós fizemos a adoção oficial. A Renatinha já superou a perda, mas o Rodrigo não. Aos 18 anos foi convocado para o Exército, o negócio se agravou e o resultado é que ele teve que fazer psicoterapia. O psiquiatra me falou que ele perdia a mãe todos os dias, Triste.



Ter filhos é ter amor para curtir, mas também é ter problemas para enfrentar. Brancos, pretos, amarelos, tanto faz. O importante é a fraternidade e a generosidade. Se todos os brancos tivessem alguma experiência com os diferentes – adoção real, adoção à distância, serviços voluntários, alguma ação que os aproximasse – a convivência os faria aceitar e gostar dos outros. Nenhum conflito iria progredir.

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